No ano passado acompanhei o parto de uma moça de 26 anos. Ela me acionou um dia antes de parir, com 39 semanas (não sabíamos, é claro, que o bebê nasceria no dia seguinte). Não tinha muita informação sobre parto humanizado, mas queria parir. Conversamos por telefone e enviei-lhe por email alguns textos bacanas e modelos de plano de parto.
Chegou muito cedo ao hospital, no início das contrações regulares. Fui ao encontro dela. No exame de toque, a plantonista constatou 1 cm de dilatação – bem normal para o começo do trabalho de parto de uma primípara (primeiro parto). O hospital deveria ter mandado a moça de volta para casa, para retornar somente na fase ativa do parto. Mas isso não aconteceu. De qualquer forma, ela estava tranquila, respirava mais forte nas contrações, se abraçava ao marido, estava feliz com minha presença.
Cerca de 30 minutos após a admissão, chegou seu obstetra, um médico do convênio dela. Sem uma única conversa ou exame, sem nem ouvir o coração do bebê, decretou cesárea. Disse que o parto não estava progredindo bem (???). Ela discutiu com ele, questionou sua decisão e decidiu ficar com a plantonista, dispensando o obstetra do convênio. Com certeza não foi uma decisão fácil para alguém em trabalho de parto, um momento naturalmente frágil para a mulher.
A obstetra de plantão foi logo dizendo: “se não houver progressão da dilatação nas próximas duas horas, vamos para a cesárea e você não vai discutir comigo”. Quando todos (inclusive os pais da moça) saíram da salinha pré-parto, eu conversei com a gestante, que já tinha chorado um tanto, olhei nos seus olhos, fiz uma massagem. Pedi que ela fosse para o chuveiro, sentasse na bola suíça que eu tinha levado e ficasse lá bastante tempo, na água quente, para relaxar. As contrações voltaram a ficar regulares e começamos a caminhar pelos corredores do hospital, no pouco espaço permitido pela equipe de enfermagem. A cada contração ela se agachava, eu fazia massagem. Eu teria orientado descanso nessa fase, que tentasse dormir – afinal, era madrugada e havia um longo trabalho pela frente. Mas com a pressão para dilatar, resolvemos caminhar. E deu certo. Duas horas depois, no exame de toque, a boa notícia: 3cm. Progrediu! Mas a alegria durou pouco… após ouvir o coração do bebê, que estava ótimo, a plantonista informou que queria romper a bolsa das águas.
Vi olhos ansiosos esperando minha explicação. Situação desconfortável, já que eu não iria contrariar médico algum… Expliquei que a decisão era dela e do marido, e que eu entendia que a médica havia sugerido o procedimento para tentar acelerar o trabalho de parto. A moça, então, deu aval à médica. A bolsa foi rompida artificialmente e o líquido amniótico veio cheio de mecônio, bem líquido e bem esverdeado. Pensei comigo: já era… Mecônio não é indicação absoluta de cesárea, mas é um ponto de atenção. O parâmetro principal é o coração do bebê.
Neste momento, aconteceu a maior violência que aquela moça vivenciou no hospital. A plantonista decretou cesárea e disse que, na semana anterior, uma gestante com mecônio insistiu no parto normal e o bebê faleceu. A moça iria querer passar por isso também? Aos prantos e com medo, ela concordou com a cirurgia.
Novamente, ao ficarmos a sós, segurei sua mão e, olhando no fundo de seus olhos, disse as melhores palavras de conforto que consegui: seu bebê está pronto para nascer, você entrou em trabalho de parto espontaneamente, e isso quer dizer que ele já pode vir. O hospital permitiu que eu entrasse com a moça no centro cirúrgico (o pai só foi chamado após todos os preparativos), o que foi um grande conforto para ela, já que ninguém explicava nada, era um entra e sai de gente preparando a sala, a anestesia, os campos…e, bem, ela estava com contrações!
Ao ver a pediatra, ensaiei mencionar o plano de parto – que informava tudo o que a gestante queria que fizessem, ou não, com seu filho – e levei uma cortada da melhor qualidade. Resolvi ficar quieta ao lado da moça para não me mandarem sair da sala. O bebê foi extraído do útero e nasceu vigoroso, se mexendo e chorando. Mesmo assim, a obstetra cortou imediatamente o cordão umbilical e entregou-o à pediatra, que não o mostrou para a mãe, levou-o para o bercinho aquecido e começou a aspirá-lo… fiquei muito triste, pois um bebê que chora é porque já está respirando. As orientações atuais em pediatria dizem para não aspirar um bebê que nasce bem. Após todos os procedimentos invasivos e dolorosos que fazem rotineiramente com o recém-nascido em hospitais, o bebezinho foi enrolado em panos e levado para a mãe.
Pedi para o anestesista soltar um dos braços da moça para que ela pudesse segurar seu filho. Um minuto depois a pediatra quis levá-lo e, nesse instante, a obstetra teve uma inspiração e disse para deixá-lo ali mais um pouco, que a mãe queria ter seu filho no colo após nascer.
Tudo o que presenciei nesse parto, absolutamente tudo foi exatamente o contrário do que vejo ao acompanhar obstetras humanizados. Se esses médicos também fazem cirurgias cesarianas? Sim, claro, quando são necessárias para salvar a vida da mãe ou do bebê. Se o bebê nasce bem, é passado por baixo do campo cirúrgico diretamente para a mãe. O cordão pode pulsar uns minutos antes de ser cortado. O recém-nascido fica pele a pele com a mãe. E o plano de parto é respeitado, sempre que possível.
Tudo isso me fez refletir, também, sobre a importância da preparação para o parto. Se você quer mesmo parir, informe-se. Procure um obstetra que trabalhe com base em evidências científicas. Se for necessário, mude de médico. Já acompanhei gestantes que trocaram de obstetra com mais de 39 semanas de gestação – isso é possível! É melhor que seja assim do que trocar durante o trabalho de parto, como na história que acabei de contar. Contrate uma doula. Ela vai te dar um monte de coisas para ler, vídeos para assistir, links de estudos para você tirar suas dúvidas. Não é sempre que o parto sai como desejado, mas, pelo menos, você poderá ter certeza de que fez tudo o que estava a seu alcance para parir e receber seu bebê de uma forma mais humana.